Ao passar pela Rua do Casal em Arrouquelas, durante a época outonal, as linhas carmesins e
verdes da vinha irão certamente captar a sua atenção. A vinha com 24ha é propriedade do
empresário de construção José Marques que, há dez anos, decidiu colocar a sua paixão e amor
pelo vinho na sua elaboração. Ele mesmo transformou o lugar, outrora cheio de eucaliptos, no
maior vinhal da região.
Mesmo assim, a Quinta da Badula é uma pequena empresa de vinificação. É uma empresa
familiar de três pessoas que não possui equipa de marketing própria nem coopera com
nenhuma agência de publicidade. No entanto, a Badula ganhou um grande nome e reputação.
Podem ver-se dezenas de prêmios recebidos decorando as paredes da adega. 80% da
produção vai para exportação, o resto pode ser degustado em restaurantes portugueses e por
vezes pode ser comprado em mercados locais.
Quando nos ofereceram para passar um dia de trabalho na vinha, todos os voluntários
aceitaram com alegria. Mas, ao contrário dos outros, que pensavam que poderia ser algo
divertido, eu já sabia que colher a vinha é diversão apenas durante uma hora; depois torna-se
um trabalho árduo e exaustivo. O meu país, a Geórgia, é um dos produtores de vinho mais
antigos, por isso suponho que colher (ou como chamamos Rtveli) parece uma brincadeira
apenas para quem está de fora.
Normalmente, até oitenta pessoas colhem uvas na Quinta da Badula. Mas a Covid-19 mudou
as regras aqui também. Somos apenas dez. Dividindo-se em cinco grupos, pegando nas
tesouras e cada um de nós ocupa uma linha de 220 metros.
Começamos às 8 da manhã e temos sorte pelo sol estar escondido atrás das nuvens. Mas
todos nós sabemos que numa hora, mais ou menos, brilhará sobre nós e fará a nossa testa
suar. Dizem que está prevista uma tempestade para o final da semana; então todos nós temos
que nos apressar. Toda a vinha deve ser colhida antes do fim-de-semana.
A paixão é um elemento fundamental para a vinificação, pensa José Marques. É por isso que
ele evita algumas das máquinas na Badula e prefere o trabalho manual. A vinha deve ser
colhida manualmente, as uvas amassadas pelos pés; ele acredita que a humanidade de todo o
processo de produção afecta o sabor e a qualidade do vinho. Os georgianos acreditam de igual
modo, por isso concordo com este idealismo com ambas as minhas mãos erguidas.
Ele nunca usa produtos químicos, mesmo para evitar pássaros e insectos, é por isso que
caracóis e formigas ocupam as linhas. Cortamos as uvas com muito esforço, retiramos os caracóis e os grãos murchos e colocamos o resto no cesto. Os vinicultores inexperientes,
eventualmente, podem cortar as folhas, mas não tem problema, apenas tomem cuidado para
não colocar o dedo nas lâminas.
Logo o sol começa a queimar, formigas rastejam pelas mãos e pescoço e os voluntários
percebem que colher deixou de ser um entretenimento. É um trabalho árduo e pouco
valorizado. E esta pode ser a rotina usual para alguns. De forma a tornar mais fácil e regressar
ao entretenimento eles cantam. Vinicultores experientes contam histórias de que no outono a
vida é uma festa neste lugar. Eles já observaram muito: amantes na vinha e homens bêbados
dormindo sob as uvas; estudantes locais colhendo com famílias reais de países africanos, etc.
Pena que a Covid-19 tenha alterado esta parte da colheita também. Mas se escutares com
atenção, acabarás por ouvir alguns cantarolando as melodias para si mesmos.
O sol está agora no zénite e devemos fazer uma pausa. Os pássaros aguardam a nossa partida;
as uvas restantes na videira são deles. Enquanto descansamos, a Sra. Marques prepara um
almoço para nós. Os operários pegam nas nossas cestas e despejam-nas nas piscinas do lagar.
Sentamo-nos à mesa e José conta-nos que colhemos muito mais que o esperado – 2.400 kg.
Soa-me que merecemos o vinho da melhor qualidade das adegas da Badula ao almoço.
Enchemos os copos e o Sr. Marques promete que se este vintage receber uma medalha, vai
etiquetar a garrafa com o logótipo da nossa associação.
Animamo-nos. O vinho faz-nos esquecer o trabalho árduo. Também nos esquecemos que,
depois do almoço, as uvas devem ser esmagadas pelos nossos próprios pés, no lagar. Mas e se
já estivermos suficientemente bêbedos?!